domingo, 19 de outubro de 2008

A nova vereadora da cidade

Foto: Lúcio Távora Ag. A tarde


Por: Leandro Colling

O que significa a eleição de Leo Kret do Brasil para a Câmara de Vereadores de Salvador, com 12.861 votos, o quarto maior número entre todos os candidatos? Por que Leo Kret se elegeu e outros 69 candidatos do Brasil que se assumiram como gays, lésbicas, travestis ou transgêneros não conseguiram o mesmo? Leo Kret é travesti, transexual, transformista ou transgênero? Devemos dizer "o vereador" para se referir a Leo Kret? Essas são algumas das perguntas que ouvi depois das eleições do último domingo. Tenho algumas respostas, mas esse fenômeno é bem mais complexo e seria necessário mais espaço e tempo para escrever sobre.

Vou começar pela última pergunta. Leo Kret prefere ser chamada no feminino. E não se considera travesti ou transformista. Em entrevista ao site Terra Magazine, ela disse: "Mas, na realidade, nós somos transgêneros. Temos identidade feminina. E se a gente vai pegar as definições coletadas pelo coletivo de travestis transexuais, vai perceber que a definição de "travesti" é se transformar em alguns momentos. E a minha identidade feminina é diária. Eu durmo e acordo uma mulher. Ainda não operada, ainda não transgenitalizada. Mas eu acordo uma mulher. Se formos usar uma definição mais específica, eu seria uma transexual?"

Por essa fala, uma coisa é certa: Leo Kret deseja ser chamada de vereadora. E ela tem o direito de escolher a sua identidade. O que está confuso são os conceitos de identidade sexual que ela utiliza. O travesti, ao contrário do que diz Leo Kret, não se transforma em apenas alguns momentos. A maioria deles usa ou usou hormônios e silicone para transformar o corpo em definitivo. As transformações eventuais são as realizadas por transformistas, drag queens e drag kings. Já o termo transexual, no caso de Leo Kret, também não é o mais ideal. Em geral, o transexual é aquele que deseja ou já realizou a cirurgia de mudança de sexo. Não parece ser exatamente esse o caso de Leo Kret. Ela parece ter resolvido muito bem a sua identidade de gênero sem a necessidade de realizar cirurgia de mudança de sexo ou mesmo de aplicar silicone no peito.

Nesta sopa de palavras, talvez a mais apropriada, que mais se aproxime da dançarina que deseja ser prefeita e presidenta, seja a definição de transgênero. A rigor, o que Leo Kret faz é uma mistura de gêneros, mantendo o seu sexo biológico. Ela não fez grandes mudanças no seu corpo de menino, mas se veste como uma menina "cretina". "Cretina porque a gente incorpora o personagem no palco, daquela personagem de irreverência, pra gente quebrar os tabus", disse ela, também na entrevista ao site Terra Maganize. Mas essas, é claro, são as minhas leituras. Quem deve dizer, no final das contas, qual é a sua identidade é a própria Leo Kret. Por enquanto, tenho uma única conclusão: é um desrespeito chamarem Leo Kret de vereador.

E o que explica a eleição de Leo Kret? Por que outros candidatos da comunidade LGBTT, com ampla experiência nos movimentos da Bahia e do Rio Grande do Sul, como Marcelo Cerqueira (2.656 votos) e Célio Golin (1.805 votos), não se elegeram? Por que outras candidatas, também bem fechativas, para usar uma gíria da comunidade LGBTT, todas de São Paulo, como Léo Áquilla (6.515 votos), Salete Campari (2.821 votos) e Lacraia (495) não se elegeram? Muitos dizem que o voto em Leo Kret é um protesto contra a política, uma forma de esculhambação. Isso até pode ser parcialmente verdadeiro, mas é só isso? Outras razões, talvez bem menos aceitas ou pensadas, poderiam ser investigadas.

Não estaria no voto em Leo Kret um sinal de como as pessoas gostam dos gays e dos transgêneros fechativos que têm coragem de assumir publicamente os seus desejos? Um sinal de que muitas pessoas gostam da fechação, combinada com humor, irreverência, uma mistura de queer (no sentido de estranho, indefinido) e camp (a fechação) com kitsch muito visível em nossas paradas LGBTT, especialmente as de Salvador?

No início de setembro deste ano, o fundador do GGB, Luiz Mott, disse, no Congresso da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura, em São Paulo, que as paradas não promoveram a eleição de candidatos comprometidos com a comunidade LGBTT. Não seria Leo Kret exatamente um fruto das paradas? Negar isso não esconde, na verdade, que tal fruto não era o que desejávamos? Considero as paradas a maior manifestação política do Brasil depois do movimento das Diretas Já. Elas impulsionam uma outra forma de fazer política, festiva, via celebração, lúdica, que rejeita os discursos tradicionais, a disputa pelo melhor argumento. A rigor, Marcelo Cerqueira, apesar de ser um dos organizadores das paradas da cidade, nunca incorporou essa dimensão da política em suas campanhas eleitorais. Não estou dizendo que ele deveria se transformar em uma Leo Kret, mas usar algo dessa outra política em suas estratégias. Na verdade, neste ano, ele fez o contrário. A campanha de Marcelo apagou, ou pelo menos minimizou, a sua relação com a festa, com a fechação e com o próprio movimento gay. As placas de Marcelo espalhadas pela cidade, por exemplo, não informavam sobre sua ação política no GGB. Ou seja, a campanha de Marcelo se rendeu às forças da heteronormatividade, tentou parecer igual aos heterossexuais para conquistar mais votos. Não deu certo. A de Leo Kret fez o contrário. Ela usa e abusa do seu corpo estranho, do seu trânsito entre os gêneros, ela quebra as noções binárias de sexo e gênero.

O problema, dizem alguns críticos, é que ela não tem postura, discurso e estratégia política capaz de se tornar respeitada e de combater a homofobia. Vai manter a representação caricata dos homossexuais, dizem outros. Será? E por que os gays caricatos, afeminados e fechativos não podem estar na Câmara de Vereadores? Que normas acionamos quando queremos criticar ou condenar os gays afeminados e caricatos? Concordo em parte com as preocupações, mas o mandato de Leo Kret, assim como a sua eleição, poderá surpreender muitas pessoas. Ela não é igual ao Clodovil, que disse ter vergonha de ser homossexual. O que menos Leo Kret tem é vergonha.

Por fim, mais uma pergunta: outros estados brasileiros, a exemplo do Rio Grande do Sul, elegeriam Leo Kret? Duvido muito. E isso diz muita coisa. Será que os soteropolitanos, ao elegerem Leo Kret, não mostram mais uma vez que lidam de uma forma diferente com a sexualidade (a própria e a dos outros)? Essas respostas dariam argumentos mais consistentes e menos óbvios para as perguntas do início do texto.

* professor adjunto da UFRB e coordenador do grupo de pesquisa em Cultura e Sexualidade (CUS), do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (CULT), da Facom/UFBA. Professor do Programa Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e Sociedade.

Fonte: Revista Muito

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

2º turno: Eleito, Léo Krett entra na campanha petista

Por Redação
Vereador eleito para a próxima legislatura da Câmara Municipal de Salvador, Léo Krett (PR) entrou na campanha LGBT do candidato a prefeito Walter Pinheiro (PT) no segundo turno.
Durante encontro realizado na última terça-feira, 14, em Salvador, Léo reforçou seu apoio ao petista e disse ainda que é muito importante que Pinheiro seja eleito porque ele é um candidato que tem compromisso com a comunidade LGBT.
Porta-voz da luta contra a homofobia em Salvador, Léo pretende dar mais visibilidade para os homossexuais baianos e acredita na candidatura de Pinheiro para isso. Isso porque o candidato petista é o único que contemplou a diversidade sexual em suas propostas de governo.
Fonte: Mix Brasil

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

A plataforma de Leo Kret: primeiro político travesti baiano é eleito




Alexandre Lyrio Redação CORREIO


Por mais que o Grupo Gay da Bahia (GGB) não reconheça, a plataforma política de Leo Kret é revestida de lantejoulas brilhantes e paetês coloridos, sim. Ao contrário do que apregoam alguns, o quarto candidato a vereador mais bem votado na capital baiana, o primeiro político transexual da história da Bahia se diz obstinado a defender a causa dos gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros (GLBT). Nascido Alecsandro de Souza Santos, Leo Kret do Brasil (PR-BA) acumulou exatos 12.860 votos, promete 'fechar' na cerimônia de posse no dia 1º de janeiro e já pensa até em ser prefeita da cidade.

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Nem bem havia confirmado a candidatura, Leo Kret teria enfrentado ataques do GGB contra a sua postura um tanto quanto espalhafatosa. 'Disseram que eu não representava a classe e que eu não tinha consciência política'. Tudo teria sido fruto do temor do presidente do grupo e também candidato, Marcelo Cerqueira, em perder a preferência dos gays nas urnas. 'Ele estava com medo que eu roubasse os votos dele', acredita. Depois da disputa, com pouco mais de 2.655 votações, Cerqueira prefere a diplomacia. 'Ela é jovem e precisa ser orientada, mas nos colocamos à disposição para apoiar o seu mandato'.

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A primeira dissensão política não chega a afetar a 'afetação' característica de Leo Kret. Agora, vitoriosa, quer provar que, apesar de não ter o segundo grau completo, pode fazer muito pelos que confiaram no seu (ops!) 'taco'. 'Não precisa entender de política. Basta saber quais são as necessidades das pessoas'. Uma das suas propostas é regulamentar a lei de combate à discriminação, que estaria parada no município há 11 anos. Leo Kret também promete defender os artistas da axé e pagodeiros.
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Mas de onde vem esse fenômeno da agora transexual política soteropolitana? Para os que não sabem, a 'danada' é dançarina do grupo de pagode Saiddy Bamba. Nos últimos anos, virou celebridade nas noites do subúrbio ferroviário de Salvador. A 'Dançarina do Povo', como é conhecida, garante que não vai deixar os palcos por causa da carreira política: 'Vou continuar a mesma até no nome'. Nome, aliás, que une parte da sua alcunha de batismo, Leo, ao 'Kret', de cretina, que, em bom 'baianês', significa gente ouriçada, afetada mesmo. Difícil é defini-la sexualmente. Travesti? Transformista? Transexual? 'O que posso dizer é que durmo e acordo como uma mulher'.
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'Que é Leocrete?', indagou, ainda em 2006, o jornalista Pablo Reis, responsável por apresentar a dançarina de pagode ao público comum, em um perfil completo sobre a garota 'fechação'. De qualquer forma, ela vai logo deixando claro: entre ser chamada de 'vereador' e 'vereadora', prefere a segunda opção. Disparado.
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Ontem, nas ruas, Leo Kret percebeu o que isto significa. Enquanto desfilava com top preto, calça Chá Chá Dum Dum e bota extravagante, a nova 'vereadora' não só arrancava manifestações calorosas como ouvia pedidos dos mais diversos tipos. Pernambués, seu bairro de origem, praticamente parou. E é assim, na campanha do corpo a corpo, que Leo Kret quer sentar na cadeira mais cobiçada do Palácio Thomé de Souza. 'Quero ser prefeita, sim. Por que não?'.
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Posse na Câmara será com tailleur e scarpin
Uma pergunta não quer calar o eleitor, por mais homofóbico que ele seja: com que roupa Leo Kret vai assumir o seu posto na Câmara de Vereadores de Salvador? 'Saia ou paletó e gravata?', questionou um ouvinte de uma rádio de grande audiência.
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Com alma feminina 24 horas por dia, Leo Kret não seria diferente por estar na mais antiga Câmara do país. A roupa escolhida para estrear no plenário caberia perfeitamente em legisladoras como Vânia Galvão, Tia Eron ou Andrea Santana, eleitas como ela. 'Que tal um tailler comportado, uma calça de linho e um sapato scarpin?', entregou.
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(Reportagem publicada na edição de 07/10/2008 do CORREIO)
Leo Kret mostra sua plataforma (Foto: Paulo M. Azevedo)